Bancário demitido em Belém por justa causa deverá ser reintegrado - CSJT2
Segundo sentença, ficou comprovado que profissional sofre de vício em entorpecentes e instituição, mesmo ciente do problema, não o encaminhou para tratamento
04/05/2021 - O juiz do trabalho substituto da VT de Ananindeua, na região metropolitana de Belém (PA), André dos Anjos Cruz, determinou a reintegração de um bancário demitido por justa causa, bem como o pagamento de todos os direitos e vantagens.
A ação foi ajuizada pelo profissional e, além da anulação da justa causa, pedia também a permanência dele no plano de saúde da empresa. O restabelecimento do plano de saúde foi deferido em junho de 2019, pela então juíza titular da época, sob o entendimento de que havia probabilidade do direito, em face da dispensa ter ocorrido enquanto ele estava doente.
A instrução processual foi longa, em razão da oitiva de testemunhas e depoimento do médico e profissional habilitado que acompanhou o reclamante no período de internação e recuperação.
Investigação
O bancário é portador de transtornos decorrentes do uso de entorpecente, e foi demitido por desviar dinheiro da agência bancária onde trabalhava, a fim de adquirir recursos para suprir o vício. Após a ampla colheita de provas, inclusive perícias realizadas perante o INSS, o magistrado ficou convencido de que o processo administrativo que apurou as irregularidades confessadas pelo profissional o tratou de forma desigual, visto que o procedimento do normativo interno do banco foi desobedecido por todos os empregados da agência.
Segundo a sentença, o funcionário confessou que desviava os numerários, mas todos os empregados eram desidiosos no desempenho da atividade de conferir o numerário, conforme apurado, desrespeitando as circulares internas do banco. "Portanto, ao se escolher apenas o autor da ação para ser demitido por justa causa e, pelos mesmos fatos, se atribuir suspensão de 30 (trinta) dias aos demais empregados, a instituição desrespeitou o princípio da não discriminação."
Além disso, ficou provado em juízo que o banco sabia da doença do ex-empregado, mas nada fez, apenas aplicou indevidamente a demissão por justa causa, sem cumprir com sua função social. "Ao ter dado enfoque somente ao prejuízo financeiro, deixando de lado a notável necessidade do profissional de ajuda para a recuperação de sua saúde, a instituição não cumpriu com a função social que lhe é exigida pelo ordenamento pátrio."
"Conforme demonstrado, o banco não prestou a devida atenção à doença do bancário. Direcionou a sua atenção apenas a uma das consequências dela decorrente, a subtração de valores do cofre, e se manteve omisso quanto a prestação de socorro ao obreiro, que no mínimo comportaria a manutenção de seu posto de trabalho a viabilizar a continuidade no tratamento da enfermidade."
Vício
Na decisão, o magistrado ressaltou também o impacto social provocado pela demissão de usuário de entorpecente doente, que já havia se afastado para tratamento perante o INSS, sendo esta uma doença crônica, biopsicossocial, que afeta toda a sociedade:
"O impacto da toxicomania na vida do usuário não se limita a negativas alterações no corpo e mente da pessoa. A doença é estigmatizante e impacta na esfera social de quem usa, com alcance também para as pessoas que lhes são mais afetas. Tradicional e pejorativamente não é vista como uma doença, mas apenas como um vício iniciado por culpa exclusiva do usuário. A discriminação quanto aos consumidores de drogas está presente em larga escala na sociedade, não sendo rara a necessidade da imposição de sigilo quanto ao portador da doença. São muitos os grupos de mútua ajuda que em seu nome carregam a caraterística do anonimato, como forma de atrair e proteger os necessitados, sendo um dos mais conhecidos o Alcoólicos Anônimos. Mas precisamos debater claramente sobre o tema."
"A demissão aplicada não foi proporcional e razoável perante os atos praticados pelo profissional, mesmo porque motivados por enfermidade que segue afligindo o obreiro. Em razão disso, a demissão se reveste de arbitrariedade, na medida que deveria o banco ter dado sequência ao contrato dele, permitindo a continuidade de seu tratamento médico. Optou por agir, entretanto, para apenas punir o afortunado. Não espanta que em uma sociedade que responsabiliza o pobre pela miséria, o idoso pelas doenças do envelhecimento, as mulheres pelos feminicídios, também queira responsabilizar um dependente químico pelo vício, sua demissão do emprego e até mesmo sua morte. O banco não provou que a justa causa foi válida, seja pelo princípio da não discriminação, seja pela doença acometida ao bancário, seja pela ausência de dolo no ato de improbidade."
Por todos esses motivos, o juiz determinou a reintegração do ex-empregado com o pagamento de todos os direitos e mantendo o plano de saúde do bancário. A decisão foi publicada em março de 2021 no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho e dela ainda cabe recurso.
Fonte: TRT da 8ª Região (PA/AP)